Uma sexta como qualquer outra...ou não!
Para quem não sabe o horário de um trabalhador da Ascal é das 9h-12h30 e das 14h-17h30. Claro que isto só se aplica a uma minoria de funcionários que dorme com o patrão.
Eu como AINDA não comecei a dormir com o patrão, não tenho essa sorte.
Aqui vai uma breve descrição da minha última sexta feira.
Ingenuamente estava a fazer contas de cabeça para ir para Lisboa ás 17h30.
Assim sendo às 8h da manhã estava no escritório. Parti para Almancil e 63 borregos pesados e registados mais tarde, lá fui eu para a segunda exploração do dia. No meio do registo e de pontuações atribuidas a ovelhas, aparece-me o primeiro caso clínico do dia. Passo a explicar: carneiro de cobrição com dois testiculos que quase tocavam no chão. Depois de muita volta o velhote lá confessou que tinha tentado tratar aquilo com umas injecções (nos testículos) de "Inomex" (que para o resto do mundo é o IVOMEC que como se sabe é um desparasitante).
Já eram vinte para as duas quando saímos para almoçar. Entramos no carro e bateria nicles, pois os mínimos tinham ficado acesos. Claro que nas redondezas não havia carros e então lá resolvemos desfazer o velho mito de que os carros a Diesel não pegam de empurrão. Basta empurrar meter uma segunda, pé a fundo na embraiagem, chave ligada sempre, e depois tirar o pé da embraiagem. Alguns solavancos mais tarde e já estava ligado.
Cheguei a Messines ás 2 e 20 e tive 10 minutos para comer uma sandes, a que eu chamei almoço.
Saida às 2h30 em direcção a Odiáxere para inseminar uma porca. Porca inseminada quando aparece mais trabalho. "Doutor, é preciso ir a Vale da Lama ver uma ovelha doente e às cinco tem de estar no Ramal da Mexilhoeira grande para ir selar uma carrinha e depois disso ainda tem de ir tirar um tronco cerebral a uma vaca que morreu".
Estava a ver a coisa mal parada. Primeiro achar o Sr. Guerreiro em Vale da Lama.Percorri a mesma estrada 4 vezes até achar o tal senhor. Estava parado à porta de casa e ainda foi preciso perguntar 3 vezes se era ele que tinha chamado, apesar do meu carro ter dois autocolantes gigantes na Porta a dizer ASCAL. Como já eram dez para as cinco resolvi ir direito ao assunto: Diga lá o que é que a ovelha tem?
"Na sei!"
"Mas o que é que há de errado com ela?" "Olhe na sei!" (Desta vez com mais calma, mas com vontade de lhe mandar umas bofetadas) "Diga lá então porque é que me chamou." "É que a ovelha não come."
Lá fomos ter ao cercado onde estavam as ovelhas todas.Como ele não tinha pressa resolveu juntá-las todas num barracão (coisa que já podia ter feito antes de eu chegar, ou melhor ainda, ter lá dentro só a ovelha doente). Entrei e pergunto qual é que era. No meio da confusão apontou para uma e agarrou-a. Fiz-lhe o exame físico e não tinha nada de excepcional. "Ela na comeu ontem" e diz a mulher dele "Comeu, comeu". " Na comeu nada", "comeu, comeu". Como não estava a ficar mais novo resolvi dar uma injecção de Indigest ao bicho e por-me a andar dali para fora pois já eram 17h15. Passo seguinte, ramal da mexilhoeira grande. Lá achei o sr. e fomos para a exploração dele. Como o gado era para sair do Algarve eu teria de preencher alguns papeis, após desinsectizar a viatura e os animais. No final era só selar o veículo, receber e ir embora.
Claro que nada é assim tão fácil. Pergunto "Tem aí a credêncial?" "EH pá esqueci-me, espere lá não se vá embora que eu vou tratar disso pelo telefone." A credêncial lá chegou ao escritório depois do vet do alentejo ter chegado de vir preencher o Euromilhões". Já eram quase seis e estava eu empoleirado feito macaco em cima da camioneta com um frasco de Bayofly numa mão e a agarrar-me à vida com a outra e a desinsectizar gado. Nisto toca o telefone, que mais tarde soube ser a minha mãe, que quando conseguiu falar comigo disse:"Nunca atendes o telefone".
Que jeito daria ter mais um par de mãos.
Acabado isto recebo um telefonema de salvação, já não era preciso ir tirar o tronco cerebral à vaca (já de noite).
Chegada ao escritório 208 km mais tarde e às 19h da noite.
Ainda fui tomar banho a casa comer qualquer coisa rápida e depois já só me esperavam 240 km pela frente para poder chegar a Lisboa...
2 Comments:
É assim a vida! Hão-de vir momentos muito piores, que tambem serão compensados (às vezes com pequenas alegrias).
E lá vai a velha frase marinheira : FORÇA NA VERGA!
E, já agora; mais esta:
"UM MÉDICO É UM MÉDICO; NÃO ESCOLHE DOENTES NEM CAMINHOS".
(Fernando Namora, "Uma mulher afogada" - Retalhos da Vida de um Médico- Lx.1978 - pp. 31-41).
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